19 de Outubro, 2022

ONDE OS OBJETIVOS DA GUERRA DOS EUA E DA UCRÂNIA COLIDEM

ONDE OS OBJETIVOS DA GUERRA DOS EUA E DA UCRÂNIA COLIDEM

O presidente russo, Vladimir Putin, autorizou a lei marcial para os quatro territórios recentemente anexados de Donetsk, Kherson, Luhansk e Zaporizhzhia. Isso, na verdade, dá poderes de emergência e extraordinários aos chefes dessas regiões, o que está a ser amplamente visto como uma admissão de que a contraofensiva ucraniana que ameaça Kherson ocupada está a ganhar impulso rápido, de modo que como resposta os russos poderiam estar a preparar um bombardeio maciço de “terra arrasada”. 

Para o presidente Volodymyr Zelenskyy e a Ucrânia, a Crimeia e o Donbas são territórios nacionais cuja recuperação justifica uma guerra total para expulsar os exércitos invasores da Rússia de Vladimir Putin, no entanto, quem controla a Crimeia e o Donbas, na história das relações EUA-Rússia, nunca foi um problema para justificar uma guerra para os Estados Unidos, a América nunca teve um interesse vital em quem governa Kyiv.

Durante o século XIX e quase todo o século XX, a Ucrânia fazia parte do Império Russo ou da URSS, governada a partir de Moscou, e essa condição não era motivo de preocupação para os EUA, a 5.000 milhas de distância, e para os Estados Unidos a preocupação crucial nesta guerra Ucrânia-Rússia não é quem acaba no controle da Crimeia e do Donbas, mas sim que os EUA não sejam sugados para uma guerra com a Rússia que poderia se transformar em uma terceira guerra mundial, e pior, uma guerra nuclear.

O interesse primordial da América nesta crise.

Nada na Europa Oriental justificaria uma guerra total dos EUA com a Rússia, afinal o controle de Moscou sobre a Europa Oriental e Central foi a situação que existiu durante a Guerra Fria entre 1945 e 1989, e os EUA nunca contestaram militarmente esse resultado da Segunda Guerra Mundial, e os Estados Unidos conviveu com isso.

Em 1956 quando os húngaros se levantaram em prol da liberdade e independência, os Estados Unidos se recusaram a intervir, preferiram evitar arriscar a guerra com a Rússia, e os patriotas húngaros foram deixados à própria sorte pelo então presidente Dwight Eisenhower.

O mundo mudou, estamos no século XXI, e hoje os Estados Unidos não têm obrigação de ir à guerra pela Ucrânia, mas são obrigados, sob o tratado da OTAN, a ir à guerra se a Eslováquia, a República Tcheca, a Bulgária, a Romênia, a Hungria, a Polônia, a Lituânia, a Letônia ou a Estônia forem atacadas, e embora Kyiv não seja membro da OTAN, os EUA se encontram sendo o financista e principal armador da Ucrânia em uma guerra com a Rússia pela Crimeia e Donbas, que poderia envolver o uso de armas nucleares pela primeira vez desde Nagasaki.

Em suma, o interesse vital dos Estados Unidos é evitar uma guerra com a Rússia e com o uso de armas nucleares, o que pode em breve colidir com os objetivos estratégicos de guerra da Ucrânia – ou seja, a recuperação total da Crimeia e do Donbas.

Se Putin está a falar a sério sobre uma guerra indefinida para manter a Crimeia e o Donbas como território russo, até onde os Estados Unidos estará disposto a ajudar a Ucrânia a expulsar os russos e retomar essas terras? O que parece estar a surgir é uma situação mais ou menos assim:

À medida que as armas dos EUA ajudam a expulsar os soldados russos das regiões ocupadas da Ucrânia, Rússia e Putin estão a ser encurralados, onde as alternativas que lhes restam encolhem para duas: aceitar a derrota, a humilhação e todas as suas consequências, ou escalar para manter o que Eles têm.

Em algum momento, a escalada para evitar a derrota pode exigir o cruzamento do limiar nuclear, e Putin e a sua comitiva já disseram isso, portanto podemos concluir que em algum ponto deste conflito, alcançar os objetivos de guerra da Ucrânia deve forçar Moscou a considerar a escalada, ou aceitar a derrota.

Para a Rússia, quanto pior for a situação da guerra, mais cedo chegará o dia em que Putin deverá jogar o seu ás de espadas para evitar a derrota, ou então terá de aceitar a derrota, a humilhação e a sua possível derrubada em Moscou.

Como o uso de armas nucleares pela Rússia pode levar a uma guerra que pode envolver os Estados Unidos, a busca incansável de Kyiv pelos seus interesses vitais, (a recuperação de todas as terras tomadas pela Rússia, incluindo o Donbas e a Crimeia), acabará por pôr em perigo os interesses vitais dos EUA.

Por outro lado se Kyiv, com armas e apoio dos EUA, empurra os russos para fora da Crimeia e do Donbas, Kyiv empurra a sua guerra com a Rússia para cada vez mais perto de uma guerra nuclear, pois à medida que Kyiv procura reconquistar todo o seu território perdido para a Rússia desde 2014, empurra cada vez mais a Rússia a aproximar-se da consideração de que a única maneira de evitar a derrota e a humilhação nacional, será o uso de armas nucleares táticas, o que significa aproximar-se da guerra com os Estados Unidos.

Quanto mais altas as taxas de baixas para a Rússia de Putin e piores as derrotas infligidas à Rússia por ucranianos armados e equipados pelo apoio dos EUA e de países da Europa, maior torna-se a probabilidade de a Rússia jogar o seu ás de espadas, armas nucleares, para evitar derrotas e humilhações e garantir a sobrevivência de o regime.

Aqui chegados, vemos que quanto mais perto Putin chega da derrota, mais perto chegamos da guerra nuclear, pois essa parece cada vez mais ser a única maneira de Putin evitar uma derrota, que para ele e o seu regime seria uma desgraça e humilhação russas.

Os Estados Unidos e a Europa (financiadores bélicos da Ucrânia), deveriam começar a considerar qual seria o resultado desta guerra que pode acabar como um flagelo a muitos povos e com o derramamento massivo de sangue, e tentar encontrar uma forma de devolver grande parte da Ucrânia a Kyiv, mas de uma forma a não ser visto como uma humilhação histórica para a Rússia, pois embora muitos veem nesta guerra uma oportunidade para infligir uma derrota e desgraça esmagadora ao regime de Putin e à Rússia, aqueles que buscam tais objetivos devem reconhecer que quanto mais se aproximam de atingir os seus objetivos, mais perto chegamos do uso de armas nucleares pela Rússia, e a uma escalada sem volta.

A história nos faz lembrar que o presidente John F. Kennedy procurou fornecer uma saída honrosa da crise dos mísseis cubanos para o ditador soviético e a nação que a precipitou, talvez seja o momento de se fazer o mesmo.

 

Inspirado em PJ Buchanan

 Eugênio Silva Filho

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